“até
ao esgotamento das horas“

António Valdemar – 2019

O universo intelectual e a formação artística de Vasco desenvolveram-se e consolidaram-se em Paris. Seguiu de perto a Furation Narrative, o pop francês. Participou em  seis ou sete filmes, envolveu-se nos movimentos underground, nas barricadas do Maio de 68, no activismo da extrema-esquerda. Colaborou, lado a lado, com os maiores cartunistas e em jornais e revistas de prestígio. Por exemplo, em Le Monde, no Firgaro, no Canard Enchainé, no Hara-kiri. O Canard Enchainé acolheu o rasgo de gerações sucessivas. O grupo Hara-kii/ Charlie- Hebdo e L’Enragé acompanharam o Maior de 68. Época áurea, na Europa e nas Américas, da caricatura e do Cartum, assinalada com a agressividade de Siné, o incofromismo de Chaval e de Bosc; a estilização sofisticada de Sempé, o imaginário de Ropor, de Steidman e de Scarfe. E, ainda, a irradiação de Steinberg e de Levine.

Mal chegou a Lisboa, Vasco continuou  a militância política. No jornal Página Um foi tudo e fez tudo, na fase explosiva do PREC. Todavia, é no final dos anos 70 que atinge a maturidade e uma expressão própria ao privilegiar as virtualidades da linha e do pingo da tinta da china, numa síntese entre o grafismo satírico e a pintura a negro, numa reinterpretação contínua do expressionismo.

Foi no decurso dos anos 80 que Vasco ganhou notoriedade no Diário de Notícias. O jornal ainda não perdera a expansão que o levava a todo o país. Estabelecemos fortes relações de convívio e uma sólida amizade que resistiu a inúmeras vicissitudes. Ao fim da manhã debatíamos temas de ilustrações para a página de opinião e para o suplemento Artes e Letras. Vasco encontra-se em pleno apogeu, e envia em tempo útil, retratos, caricatura e cartunes solicitados, que saíam quase todos os dias e com o maior destaque.

Fernando Pessoa motivou sucessivas e arrojadas interpretações de Vasco, com uma visão original (celebrada num texto de Vergílio Ferreira), que ultrapassaram a iconografia imposta por Almada Negreiros e, também, pelas fotografias de Horácio Novais, ao surpreender Pessoa, nas ruas de Lisboa – umas vezes só, outras com amigos íntimos.

Mas não foi apenas Pessoa. A pretexto de efemérides do fim do século passado Vasco recriou escritores como Herculano, Eça, Aquilino, Nemésio, Jaime Cortesão e Teixeira Gomes, poetas como Antero, Junqueiro, António Nobre, Cesário Verde e Camilo Pessanha; artistas como Stuart Carvalhais e Amadeu de Souza Cardoso; e, sobretudo, Camilo, uma das suas indisfarçáveis paixões literárias, para aprofundar, no homem e no escritor, o sentimento trágico de vida ...

Vasco fez parte dos fundadores do Publico, da equipa escolhida pelo directo Vicente Jorge Silva. Colaborou, assiduamente, e não se limitou ao retrato e à caricatura de protagonistas e fantoches políticos e sociais.

Nota: texto publicado no catálogo da exposição "Ena pá ... cá está ele outra vez" no Museu Bordalo Pinheiro em 2019